Reflexões tardias
O Futuro da Serra - entre esperança
e receio
O estado actual desta serra está acentuado por uma série de contradições. Nunca antes esteve tão em "moda‟ como hoje em dia. Nos fins-de-semana enche-se com centenas de carros, de turistas, eventos desportivos que, pouco deixam na serra a não ser poluição, lixo e algumas perturbações.
Ainda há grupos de músicos, cantadeiras e contadores de histórias que preservam uma cultura nativa.No outro lado realizam-se plantações, com centenas de voluntários por ano. Algo está acontecer.
»Sim, senhor, houve. Há dois anos.«
Quer dizer que este incêndio não teve nada a ver com os grandes incêndios de 2010. Então, o que se passou?«
»Quis queimar um formigueiro. De repente ardeu tudo. Alertei os bombeiros e quando chegaram, passado meia hora, já estava feito, ficou apenas o lume no chão. Houve muito estrago, embora as árvores maiores conseguissem sobreviver«.
Poucos dias depois estava no café de Cabreiros, metido numa conversa com um empresário local, que chefia construções de traço rural. Quando este homem idoso com os seus óculos de sol apareceu, já sabia que se chamava Manuel, estava reformado e foi emigrante por muitos anos em França. Apresentei-o com ironia como o homem que provocou um incêndio no seu próprio bosque porque se queria livrar dum formigueiro. O empresário ficou sério e disse: »Deixe-me explicar. Estas pessoas passaram uma vida dura que poucos conseguem imaginar. Pobreza a sério e até fome. Muito analfabetismo e quase ninguém acabou a quarta classe. Com dez anos já ganhavam o pão. Quem tinha um pouco de terra com umas plantas e fruteiras, guardava-a enciumado. Assim reinou o conceito: quem me tira algo, pássaro, roedor, mamífero ou formiga - quem se safra do que é meu, tem de acabar. Matavam tudo.«
»E até hoje não sabem o que aprendi ainda rapaz: que as formigas não fazem nada de mal para um bosque, pelo contrário, devem ser preservadas?« pensei em voz alta.
Ele abriu as mãos num gesto típico que diz: então, as coisas são como são!
Educação ambiental será uma matéria que interessa apenas à nova geração?
O que é o serviço natural da retenção da água, quais espécies arbóreas nativas de folha caduca o prestam, outras em menor quantidade ou de modo nenhum? Há uma perspectiva no sentido de esperança para um desenvolvimento ambiental sem um certo avanço no desenvolvimento social?
Onde a fome cessou, ficou a pobreza como uma ferida, quando a pobreza cessou, ficou uma certa privação espiritual como cicatriz.
A palavra cultura, vindo do latim, significa processamento, manutenção, agricultura (arar) referida, no sentido mais amplo, tudo o que o homem propriamente criativo faz, em diferença com a não criada por ele, e não mudada por ele: a natureza. É chegada a hora, que o homem - e mais do que um homem qualquer, a sua sociedade - aprende a se conciliar com a natureza, tanto vulnerável como perigosa, e eventualmente a sua própria natureza. Devemos amplificar e aprofundar uma cultura de respeito por aquilo que não está em nossa posse, apenas no nosso alcance, algo que nos foi somente emprestado.
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